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Brasil

Edição 102 > Nelson Werneck Sodré rompe os muros da Academia

Nelson Werneck Sodré rompe os muros da Academia

José Ricardo Figueiredo
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A visão de Nelson Werneck Sodré sobre a evolução dos modos de produção no Brasil rendeu-lhe discordâncias com outros estudiosos da
realidade brasileira, como Caio Prado Jr e Jacob Gorender. Para Figueiredo, ele superou a ambos

Nosso general comunista haveria de ser sempre figura polêmica. O militar, historiador, crítico literário e militante comunista Nelson
Werneck Sodré teve intensa atuação política nos anos 1950, que lhe valeu ataques sistemáticos na grande imprensa e punições por seus
superiores. Autodidata, produziu uma obra computada em 56 livros e três mil artigos, de densidade e valor amplamente reconhecidos, e
de conteúdo altamente polêmico. Não obstante, constata-se há tempos sua exclusão da academia.

Assim, merecem ser saudadas duas iniciativas que marcam o reconhecimento de Nelson Werneck Sodré pela universidade. A pioneira foi uma
Jornada de Estudos na FFC da UNESP, em Marília, São Paulo, registrada na coletânea Nelson Werneck Sodré: entre o sabre e a pena,
organizada por Paulo Cunha e Fátima Cabral. A mais recente é o Dicionário crítico Nelson Werneck Sodré, organizado por Marcos Silva,
da FFLCH, USP.

Este Dicionário crítico reúne 87 autores, quase todos acadêmicos e um militar. Os verbetes comentam 56 títulos de livros, amostras de
artigos publicados regularmente em 8 periódicos, e outros trabalhos. Só uma obra tão vasta poderia sugerir sua organização alfabética,
de maneira que a própria forma Dicionário testemunha o gigantismo da obra de Sodré.

Por outro lado, a maneira atomizada com que um dicionário trata os verbetes dificulta a observação da evolução de Sodré – o que é
amenizado por algumas contribuições. José Paulo Netto apresenta a maturação do autor de História da literatura brasileira desde a
primeira edição, em 1938, até a de 1960, quando Sodré foi pioneiro ao incorporar as contribuições do teórico húngaro G. Lukács, bem
como as edições posteriores, sempre enriquecidas.

Não fica tão clara a evolução de Sodré no aspecto da formação histórica brasileira quando, a partir de Formação histórica do Brasil,
de 1962, apreende a categoria modo de produção e inclui a de feudalismo na sua historiografia brasileira. Assim, Sodré provavelmente
concordaria com a crítica de Lúcio F. R. de Almeida ao comentar a obra de 1959: “uma concepção de história fortemente evolucionista,
uma contraposição dos processos de desenvolvimento capitalista europeu e brasileiro demasiado rígida, e uma periodização de nosso
processo histórico, fundada em uma abordagem de classes ainda muito insuficiente”. Mas Sodré nunca concordaria com a crítica de
Almeida a seu nacionalismo.

Em sua maior parte, os verbetes do Dicionário crítico são simples resumos da obra focada, com quatro a seis páginas. Alguns
acrescentam comentários breves sobre a capacidade de síntese de Sodré, ou o rigor de sua análise, sua cultura vasta, seu engajamento
político. Outros declaram, sem aprofundamento, que Sodré teria sido criticado ou superado. Outros formulam críticas de conteúdo, ora
por sua concepção da relação entre literatura e sociedade, ora por seu nacionalismo, mas principalmente pela questão dos modos de
produção no Brasil, incluindo o feudalismo. Fixamo-nos neste aspecto.

Antes, convém alertar para um anacronismo: três autores do Dicionário mencionam um Partido Comunista Brasileiro (PCB) nas décadas de
1920 a 1950, quando existia apenas o Partido Comunista do Brasil (PCB). Só em 1961, entre outras mudanças, o partido alterou seu nome
para Partido Comunista Brasileiro (PCB), sendo o original retomado em 1962 pelos resistentes àquelas mudanças, donde Partido Comunista
do Brasil (PCdoB).

José Carlos Barreto de Santana declara Sodré equivocado “ao enquadrar os sertões brasileiros no mesmo esquema europeu,
caracterizando-os como o espaço de uma sociedade feudal”. Rodrigo Ricupero lembra outra crítica recorrente: 
Tal concepção tinha como origem o esquema dos cinco tipos “fundamentais” de modos de produção – desenvolvido pelo “marxismo vulgar”
soviético da época de Stalin – e acabou conhecida como “etapismo”, pois a revolução burguesa seria uma etapa preliminar para uma
revolução socialista.

Ora, a classificação de cinco modos de produção encontra-se em toda a obra de Engels que, ao contrário de Marx, jamais se refere
explicitamente a um modo de produção asiático. Desde antes de Stalin, que apenas o adotou, vulgarizou-se o esquema restrito de Engels,
em parte pelo caráter enciclopédico de sua obra, mais propício à divulgação ampla do que as análises minuciosas de Marx, em parte
porque este não desenvolveu nem publicizou as ideias postumamente divulgadas em Formações Econômicas Pré-capitalistas.
João Carlos de Souza, falando de Evolução Social do Brasil, escrita por Sodré como obra de iniciação, diz:
Assim, pelo caráter generalizante e pouco aprofundado, é possível identificar, quase que de imediato, nesse livro, aquelas concepções
e interpretações do historiador que se constituíram em objeto de críticas nos anos 1960-1970, particularmente vindas da academia: as
explicações esquemáticas, o economicismo, a vigência das relações feudais no Brasil, a definição dogmática da aliança com a burguesia
nacional.

Evidentemente, um texto introdutório precisa ser simplificador, dando margem a críticas às “explicações esquemáticas” e ao
“economicismo”. Mas é interessante mostrar, em contraponto, o impacto causado no ainda estudante Osvaldo Coggiola pela leitura da
versão argentina do mesmo livro:
Diversamente dos livros “de história” aos quais estávamos habituados, nomes e datas ocupavam um espaço reduzido e até secundário; a
atenção estava focada em processos, tendências, estruturas. Era um livro que fazia pensar, obrigava a pensar.
Souza menciona como críticos à tese feudal de Sodré os nomes Caio Prado Jr., Fernando Novais, Maria Sylvia Carvalho Franco e Jacob
Gorender. Mas faz o sensato alerta de que “a discussão, contudo, não se esgotou”, fazendo referência a João Quartim de Morais. De
fato, Souza soube encontrar um ponto de resistência.

Em comentário sobre Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, o próprio João Quartim de Morais refuta críticas a Sodré, e
contrapõe-se a Caio Prado Jr., que “confunde o predomínio de relações mercantis – característico da chamada revolução comercial do
século XVI (…) com o domínio da produção pelo capital, que só começaria a ocorrer em larga escala na Inglaterra do século XVIII”.
Ter dissipado estas e outras confusões da marxologia eclética foi um dos grandes méritos teóricos de Sodré. Irônico, mas
compreensivelmente, foi também o que lhe valeu tenazes ataques dos que estavam empenhados, na trilha (mas sem a estatura intelectual)
de Prado Jr., em desqualificar o programa nacional-democrático defendido pelos comunistas, de que a reforma agrária constitui ponto
fundamental.

Também José Antônio Segatto contribui para esclarecer o ponto de vista de Sodré, com uma sintética definição:
Entendemos que o autor, quando analisou as relações feudais ou semisservis, estava se referindo às relações sociais de produção
marcadas/condicionadas pelos vínculos de dependência ou subordinação pessoal que implicam a extração de sobretrabalho, mediante a
coação extraeconômica (formas pré-capitalistas de extorsão da renda da terra) dos trabalhadores pelos proprietários fundiários, e não
por meio da livre contratação no mercado – relações essas mediadas pelo favor, pelo clientelismo e pela violência. 
A despeito da pertinência de suas colocações, as vozes dissonantes de Quartim e Segatto não conseguem, por seu volume, neutralizar o
coro contra a concepção werneckiana de modos de produção no Brasil, predominante no Dicionário crítico, refletindo o pensamento
acadêmico majoritário.

Na coletânea Nelson Werneck Sodré: entre o sabre e a pena encontram-se artigos mais reflexivos e de maior abrangência, assinados por
19 acadêmicos e 2 colegas de farda de Sodré. Externando pontos de vista tanto apreciativos como críticos de sua atuação e de sua obra,
conseguem abranger as múltiplas dimensões de Sodré.

O jovem oficial Sodré, sua formação, sua atuação anti-imperialista e democrática na década de 1950, pela qual foi atacado na grande
imprensa e punido por seus superiores, são objetos dos depoimentos do Gen. Octavio Costa e de Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, e das
análises do Cel. Luís de Alencar Araripe, de Paulo Ribeiro da Cunha, de Regina Hippolito e de José Antonio Segatto.
O intelectual militante, já na vida civil, emerge em alguns destes depoimentos, no de Ivan Alves Filho e na biografia por Leandro
Konder.

Joel Rufino dos Santos descreve o crítico literário e historiador da literatura Sodré com a familiaridade de quem conhecia os seus
gostos e seus valores. Carlos Eduardo Ornelas Barriel destaca o pioneirismo de Sodré na interpretação marxista do fenômeno literário
brasileiro; pontualmente, critica sua interpretação do arcadismo, contrapondo uma leitura mais refinada.
Norma Côrtes compara as trajetórias dos Isebianos Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto. Subprodutos do Iseb, a experiência
editorial dos Cadernos do Povo Brasileiro é comentada por Angélica Lovatto, e o projeto da “História Nova” por Sueli Guadelupe de Lima
Mendonça e João Alberto da Costa Pinto.

Comentamos aqui mais detalhadamente as apreciações sobre o historiador Sodré, em que contribuem Lígia Osório Silva, Jorge Grespan,
João Quartim de Moraes, Marcos Del Roio, Maria de Annunciação Madureira e Marly de Almeida Gomes Vianna.

Grespan, Annunciação e Marly Vianna recusam liminarmente a hipótese feudal, e aventam ou adotam a hipótese de que a incorporação do
feudalismo na historiografia brasileira por Sodré decorreria de adequação à linha política adotada pelo PCB em 1958.

Mas não haveria razão para isto. O Congresso de 1958 representou uma inflexão política, não teórica. A maior parte do PCB já acatava a
interpretação feudal antes de 1958, e a posição então divergente de Sodré neste aspecto, seguindo a Caio Prado Jr., não impedia a
colaboração de ambos com o partido. Nem Sodré faria uma mudança teórica por simples disciplina partidária: foi ele quem, em 1960,
incorporou ao estudo da literatura brasileira G. Lukács, que participara no governo húngaro derrubado pelos soviéticos em 1956.

Sodré mudou porque se convenceu do conteúdo da tese. Com humildade, reconheceu a importância da “crítica rigorosa, sincera,
multilateral” de “companheiros de estudo da realidade brasileira”. Mas toda a sua obra subsequente demonstra ter se convencido
sinceramente da nova interpretação, que utilizou fertilmente para analisar nossa história social, econômica, política, militar, a
história da nossa imprensa, de nossa literatura, de nossa burguesia.

Marcos Del Roio, em abrangente descrição do debate do feudalismo, situa Sodré como seguidor de uma tradição dos comunistas
brasileiros, a que se contrapõem duas outras vertentes interpretativas da formação histórica brasileira, representadas por Caio Prado
Jr. e Jacob Gorender, entre outros. Relaciona, ainda, o debate brasileiro àquele iniciado por Paul Sweezy e Maurice Dobb acerca da
transição do feudalismo para o capitalismo. Diz Del Roio:
Percebe-se uma certa tensão na leitura de Sodré sobre o feudalismo e sobre a transição capitalista no que se refere ao papel do
comércio. De um lado, nota seu papel dissolvente do feudalismo e dos obstáculos impostos por esse, mas, de outro, enfatiza que o
capital comercial e o capital usurário não têm vínculos diretos com a produção material, que, por sua vez, avança para a forma
manufatureira por um movimento próprio.

Conforme constatações de Marx: o capital mercantil tem um papel dissolvente de relações pré-capitalistas, mas insuficiente para
determinar o surgimento do modo de produção capitalista. Entretanto, Del Roio parece enxergar em tal “tensão” argumento para seguir
dizendo que os “limites intrínsecos da leitura de Sodré (...) repercutem para enfraquecer os fundamentos dos seus argumentos sobre a
natureza da forma social brasileira”.

Em contrapartida, Ligia Osório Silva endossa Sodré e Dobb citando Marx, para quem o desenvolvimento do capital mercantil não explica
por si só o surgimento do capitalismo, que surge em dependência também das condições do modo de produção local.

Mas, novamente João Quartim de Moraes se posiciona de forma mais explícita e enfática em favor de Sodré. Desenvolve sua crítica a Caio
Prado Jr., e também refuta Gorender, que “deixa (...) sem resposta aceitável a caracterização das relações de produção que
substituíram a escravidão, não resolvendo ele próprio a questão que considera mal resolvida nos estudos de Sodré”. E defende o uso
“claro e coerente” da categoria feudalismo por Sodré: “denota as relações de produção baseadas no latifúndio e na dependência pessoal
do trabalhador (colonato, parceria e demais formas de produção não baseadas no trabalho vivo por salário)”.

Este conceito de relações de produção feudais é bem compreendido por diversos articulistas, como José Antonio Segatto, Ivan Alves
Filho, Paulo Ribeiro da Cunha, e mesmo pelo crítico Del Roio, que diz:
Na definição da relação feudal, o mais importante para Sodré, além da forma da extração da renda, é o laço de dependência pessoal. Por
meio de uma citação de Marx, Sodré considera que, no feudalismo, “a dependência pessoal caracteriza tanto as relações de produção
material quanto as outras esferas da vida baseadas nessa produção”.

Não se trata apenas desta citação. No Prólogo da Contribuição à crítica da economia política, Marx estabelece que as relações de
produção constituem a base real sobre a qual se alça o edifício jurídico e político de uma sociedade.
 
Por isto Sodré insere-se rigorosamente nos fundamentos do marxismo, ao considerar que o mais importante está nas relações de produção
– no caso do feudalismo, as formas de extração de renda da terra e o laço pessoal.

Devo advertir que se trata de conclusão pessoal: equivocaram-se os que tentaram negar a interpretação feudal de nosso coronelismo com
base em Marx. Sodré superou seu mestre Caio Prado Jr., assim como a seu crítico obsessivo, Gorender. Entendo havê-lo demonstrado no
livro Modos de ver a produção do Brasil, cujas conclusões coincidem no geral com as de Sodré, embora não integralmente. Em particular,
seu desconhecimento do modo de produção asiático empobrece sua análise das missões guarani.

Reconheço, pois – tal como o conjunto de seus críticos, e como o próprio Sodré –, que o trabalho deste mestre possa merecer críticas.
Não obstante, afirmo que o pensamento maduro de Nelson Werneck Sodré apresenta – sem competidor que se lhe tenha aproximado – a mais
rigorosa e abrangente interpretação marxista da história da formação social brasileira.

José Ricardo Figueiredo é docente da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP, e militante do PCdoB de Campinas.


Referências

CUNHA, Paulo Ribeiro & CABRAL, Fátima (orgs.). Nelson Werneck Sodré: entre o sabre e a pena. São Paulo: Editora da Unesp, 2006.
SILVA, Marcos (org.). Dicionário crítico Nelson Werneck Sodré. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
FIGUEIREDO, José Ricardo. Modos de ver a produção do Brasil. São Paulo: Educ, Campinas/Autores Associados, 2004.
 

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